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Por que estudantes de Medicina estão reclamando do teto de cobertura do Fies

ProFies

Atualizado: há 2 dias

Alunos de baixa renda chegam a abandonar faculdade por não conseguirem arcar com a coparticipação do financiamento, que gira em torno de R$ 1 mil a R$ 3 mil; MEC diz não ter planos de ampliar o limite



Alunos de cursos de Medicina em faculdades particulares que ingressaram por meio do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) reivindicam aumento do teto da mensalidade coberta pelo financiamento. Pela regra, esse limite é de R$ 60 mil por semestre, ou seja, R$ 10 mil por mensalidade para o curso. Como grande parte das faculdades cobra em torno de R$ 12 mil ao mês, estudantes de baixa renda dizem que o modelo tem se tornado inviável.

 

Nas redes sociais, há um movimento chamado “Fies sem teto”, que pressiona o governo para elevar o teto do financiamento. Procurado, o Ministério da Educação (MEC) afirma não ter previsão de aumento.

 

Para alunos de outras graduações, o teto não costuma ser um problema, já que o valor máximo de cobertura é de R$ 42,9 mil por semestre (R$ 7,15 mil mensais), suficientes para cobrir as mensalidades até em instituições de ensino mais caras.

 

O Fies é um programa do governo federal, gerido pelo MEC, que financia as mensalidades a juros zero para estudantes com renda familiar de até 3 salários mínimos por pessoa. Após a conclusão do curso, o financiamento deve ser pago de acordo com a realidade financeira do recém-formado, ou seja, a parcela da amortização varia de acordo com a renda - no caso de o profissional não ter renda, será devido apenas o pagamento mínimo.

 

Desde 2018, o percentual mínimo de financiamento é de 50%. O máximo é definido por um cálculo baseado na renda familiar e na mensalidade.

 

A seleção é feita por meio da nota do Enem. É preciso ter feito o exame a partir da edição de 2010 e obtido média aritmética das notas nas provas igual ou superior a 450 pontos e ter tirado a partir de 400 na redação.

 

Em 2024, o MEC lançou o Fies Social, que reserva 50% das vagas totais do programa para os estudantes com renda familiar per capita de até meio salário mínimo inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Para esse grupo, o financiamento cobre até 100% do curso (sujeito ao teto) - diferentemente do resto das vagas, em que o financiamento é parcial, exigindo que o aluno pague uma parte da matrícula (coparticipação).

 

Essa era uma reivindicação feita há alguns anos, já que estudantes de baixa renda não conseguiam arcar com a coparticipação da matrícula - um dos motivos que fez com que o programa passasse a ter menor adesão nos últimos anos.

 

Características do FIES:

 

  1. taxa real de juros zerada;

  2. início da amortização do financiamento em seguida ao término do curso, respeitando o limite de renda do cliente;

  3. pagamento de coparticipação pelo estudante (exceto no Fies Social, se estiver dentro do teto);

  4. teto de cobertura de R$ 60 mil para medicina ou R$ 42,9 mil por semestre para outros cursos (incluindo alunos do Fies Social).

 

O movimento ‘Fies Sem Teto’ afirma que, com os valores de mensalidade e reajustes praticados hoje pelas faculdades de medicina, os estudantes do Fies estão sendo prejudicados pois, com um renda familiar de até três salários mínimos (ou meio salário mínimo, no caso do Fies Social), precisam pagar coparticipações que consideram muito altas - costumam variar de R$ 600 a R$ 2.500, mas, em alguns casos, ultrapassam os R$ 4.000.

 

A estudante Talita Araújo, de 32 anos, aprovada para Medicina, é uma das que reivindica um teto maior para o financiamento. “Uma mensalidade é cerca de R$ 12 mil. O Fies Social cobre R$ 10 mil (por mês). Como uma família que ganha até meio salário mínimo (per capita), vai pagar o restante?”, questiona.

 

Ela já é formada como técnica de Enfermagem e trabalha no Serviço Médico de Atendimento em Urgência (Samu). No seu caso é prevista uma coparticipação de R$ 1,5 mil. Por isso, ela precisará trabalhar em plantões noturnos para bancar a faculdade.

 

“Com esse valor de coparticipação não tem como ter dedicação exclusiva”, afirma. Ela é mãe solo de um filho adolescente e foi aprovada para uma instituição no Guarujá, litoral de São Paulo. Hoje, mora em São Vicente e trabalha em Santos, também no litoral.

 

Ronaldo Oliveira, que também começará Medicina este ano, conta que já havia sido aprovado outras vezes para a graduação, mas que nunca frequentou as aulas, pois não teria condições para arcar a coparticipação, que ficaria entre R$ 2 e R$ 4 mil reais. Dessa vez, o jovem de 26 anos, do interior de Sergipe, passou em uma instituição com mensalidade menor. Como o valor da coparticipação é mais baixo, ele vê condições de iniciar o curso.

 

Já Priscila Tavares, de 35 anos, abandonou as classes após se endividar para pagar a coparticipação do Fies. Ela chegou a cursar dois semestres em 2021, mas com uma coparticipação de cerca de R$ 4 mil reais no primeiro semestre, teve de usar todo o dinheiro que tinha guardado, e não conseguiu arcar com a coparticipação no segundo semestre (que era de R$ 2,9 mil).

 

No curso em tempo integral e sem ajuda de familiares, Priscila acumulou a dívida com a faculdade e, por isso, não recebeu a opção de trancar a matrícula. Precisou, portanto, abandonar o curso.

 

“Eu não tinha mais de onde tirar dinheiro para pagar a coparticipação”, diz. Hoje ela tem uma dívida de R$ 183 mil do financiamento com a Caixa. “É triste ter um sonho e abandonar por não ter condições de arcar. E ainda ficar com a dívida, e não ter nem como pagar depois”, completa Priscila, de Salvador.

 

“Entendemos que um teto ilimitado seja financeiramente inviável, mas é extremamente urgente implementar um ajuste anual do teto para que acompanhe o valor das mensalidades”, diz Matheus Sena, de 23 anos, estudante do 2º ano de Medicina e um dos responsáveis pelo movimento ‘Fies sem Teto’. Ele se mudou do Ceará para a Bahia para fazer a graduação.

 

Em 2023, o teto da Medicina passou de R$ 42,9 mil para R$ 52,8 mil por semestre, ajuste de 22,8%. Já em 2024, foi para R$ 60 mil, aumento de mais de 13%.

 

O movimento “Fies Sem Teto” fez um levantamento com cerca de 500 alunos de medicina diversos Estados. Entre aqueles que pagam coparticipação (excluindo alunos do Fies Social cujas mensalidades ficam abaixo dos R$ 10 mil), o valor médio pago é de R$ 1,6 mil. Uma minoria não paga coparticipação (aqueles que se encaixam no Fies Social e as mensalidades não ultrapassam R$ 10 mil).

 

“Os estudantes saem endividados e sem formação, agravando ainda mais a sua situação de vulnerabilidade social”, diz Matheus, que recorreu ao Fies após quatro anos de cursinho tentando ser aprovado em uma universidade pública.

 

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